2013-01-31



A PONTE...





A PONTE !

Se a ponte é uma imagem
que perdura
imagina estar de um lado
insegura
à espera que o sol se derrame
em teu corpo inteiro
de aventura.
=======A.Bondoso (A Publicar)






2013-01-25




MENOS UM AVÔ NA VIDA DO MIGUEL...E DA CÉLIA !




MENOS UM AVÔ NA VIDA DO MIGUEL... E DA CÉLIA!

* Olá mestre António – dizia-me ele quando nos encontrávamos em sua casa ou no Café à beira-mar, um hábito já adquirido nos últimos anos, particularmente depois da oficialização do noivado do meu filho Miguel com a sua neta Célia, tendo ainda a felicidade de assistir ao casamento.
* Como é que vão esses ossos, avô Quim? – retorquia eu, um aprendiz da vida, sobretudo tendo como referência a dura realidade de uma vida cheia como foi a do Senhor Joaquim – ele sim, um mestre na sua arte de construir edifícios e que aprendeu a decifrar projetos sem ter desenvolvido a aprendizagem da leitura, apenas a argúcia e o gosto de aprender uma arte que ele escolheu como modo de vida, num tempo outro em que tudo era difícil.
          E nesse espírito cresceu, fez-se homem e construiu a sua família pelo exemplo, sempre contornando os obstáculos e procurando fintar o destino – até agora – mais de oitenta anos de um percurso tão feliz, quanto doloroso muitas vezes. Valeu sempre a sua capacidade de enfrentar as evidências, mesmo quando as forças lhe começaram a escorregar por entre os dedos das mãos calejadas pelo trabalho de uma vida.
          Foi o terceiro “avô” que o meu filho Miguel conheceu e que viu escapar-lhe poucos meses após o casamento com a Célia. Não foi propriamente inesperado, o que – de certa forma – ameniza a dor profunda da neta do Senhor Joaquim. Que ela respeitava, admirava e amava, transmitindo esses valores ao Miguel e aos pais do Miguel – que não tiveram dificuldade em aceitar e cultivar.
          Dele guardamos a sua força, a sua visão otimista e a alegria do convívio. Dele vamos reter as histórias de vida que contava e repetia, sempre numa perspetiva de lição positiva. É essa a imagem que vamos lembrar, sempre que falarmos do avô Quim. Pela sua ligação, foi o terceiro avô que o Miguel viu partir. E que desde a primeira hora gostou dele como neto. Para ele e para a Célia – igualmente nossa Filha – o nosso abraço forte, de pais presentes e lutadores que não temem plagiar as palavras por ela escritas neste momento de dor: Hoje morreu uma parte de mim....aquele que foi o melhor exemplo de vida, aquele que foi o meu herói, aquele que sempre me defendeu e apoiou, aquele que sempre esteve presente nos momentos bons e maus, aquele que nunca se curvava perante uma adversidade ou outra (e foram muitas), aquele que ria com vontade quando o momento o exigia, aquele que me encorajava em todos os momentos em que fraquejei...A dor é muita mas as memórias, essas são mais fortes....continuas a fazer-me sorrir Vô Quim.....onde quer que estejas agora, estarás sempre comigo.
          Um abraço que estendemos, naturalmente, à D.Fernanda – que perdeu o companheiro de uma vida – e aos pais da Célia, de idêntico modo do Miguel, Virgínia e Fernando, tal como aos outros familiares enlutados: nomeadamente o bisneto Bruno, seus pais Bruna e Sérgio, tal como os filhos do senhor Joaquim Manuela e Fernando.
          Avô Quim, será também lembrança nossa – permanente – o lindo canto do canário que nos ofereceu com carinho e que alegra a nossa presença nesta casa. Até sempre !
Maria do Amparo e António Bondoso.
24 de Janeiro de 2013. 





2013-01-24


A BRANCURA DA DESGRAÇA...




 A BRANCURA DA DESGRAÇA!

E veio a chuva
Mais densa...
Motivo de queixas foi.

E a trovoada
Num raio
Faísca de assombração,  
Mais o granizo
Que em pedra
Atinge o medo guardado
Em quarto de arrumação.

E o vento
Que vem soprado
Adamastor  mais horrendo,
Arranca histórias à vida
Parece que vai morrendo
Mas não leva a dor da alma
De um povo que vai sofrendo.

E chega a neve
Em farrapos...
E todo o mundo sorriu!
Mesmo sabendo que passa
A brancura da desgraça!
------------ A.Bondoso (A Publicar)





FOTOS DE ANA MARIA FONSECA E JOSÉ REQUEIJO.

2013-01-19


A PROPÓSITO DOS "RETORNADOS", "REFUGIADOS", "ABANDONADOS" e outros rótulos mais ou menos pejorativos. ( I I )


Não foi fácil, mas não foi impossível. A dinâmica dos largos horizontes de África foi crucial para engajar os que chegaram de lá - a grande maioria com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. No caso das ilhas S.Tomé e Príncipe [de nome Santo, do Golfo da Guiné, do meio do mundo] essa dinâmica foi, sobretudo nos anos 60 e 70 do século XX, quase que contagiante. Por isso é que os "são-tomenses", naturais ou de coração, nunca viraram a cara à luta e permaneceram contactáveis. 

Mais ou menos unidos e continuando a sonhar, foram capazes de avançar. Percebe-se esse pormenor por exemplo nas frases citadas no texto abaixo, embora elas não representem - seguramente - a unanimidade dos que foram subitamente arrancados a um modo de ser e de estar na vida. 
No fundo, a questão está em perceber a História. Em querer perceber a História. Talvez por isso, a contracapa do meu livro expresse, sem culpas ou desculpas, muitas verdades do que fomos e fizémos e outras tantas verdades do que se passou depois de Abril de 1974. 

ANTONIO BONDOSO

Pedidos da obra, diretamente para MinervaCoimbra. 





A PROPÓSITO DOS "RETORNADOS", "REFUGIADOS", "ABANDONADOS" e outros rótulos mais ou menos pejorativos. ( I )

Por muito dissecado e analisado, escrito e estudado, em qualquer perspetiva, a descolonização e os seus efeitos imediatos, por tardios, será sempre um tema complexo e divisor - porque carregado de traumas, de saudades e de saudosismos, de memórias e de histórias que fazem a História. A nossa é antiga de muitos séculos. Assumimos o grande feito das descobertas, devemos assumir os erros da colonização e não podemos colocar de parte o atabalhoado processo de descolonização - resultado de treze anos de uma guerra em três frentes, que os políticos não souberam [alguns não quiseram] terminar, negociando em tempo oportuno uma saída ao espírito do tempo. 
Repesco agora algumas ideias, em razão sobretudo de uma nova vaga de estudos e investigação, que se apresenta em forma de livros mais ou menos ficcionados e em série de rádio e de televisão. DEPOIS DO ADEUS - assim se chama a série da RTP - vai, inevitavelmente, reabrir o "diálogo" que, também inevitavelmente, voltará a ser acalorado e picante quanto baste sobre os que vieram de África. Já o foi na apresentação do projecto e mais será, seguramente, nos próximos meses. É minha convicção que o reabrir do "processo" não  será negativo. Pelo contrário, o amadurecimento das ideias traz perspetivas mais concretas e mais esclarecidas, independentemente de continuar a haver [nesta altura já muito menos] algumas posições ressabiadas. E é natural que o enfoque continue a ser dado às chamadas "jóias da coroa" ou do império [Angola e Moçambique], com um pequeno lugar no palco para a "simpatia" de Cabo Verde. O resto... por exemplo S.Tomé e Príncipe, não é matéria "vendável". 


A este propósito, anexo aqui um "post" que a minha mulher escreveu (bem) e fez publicar no facebook:

"Nesta tarde invernosa dei comigo a ver a nova versão de "Portugal no Coração" conduzida por um Malato "trapalhão" e as gargalhadas afectadas de Marta Leite Castro.
O tema interessava-me: nova série "Depois do Adeus" sobre o regresso dos portugueses que viviam nas ex colónias, ditos "retornados".

Várias vezes tenho afirmado que a História deve ser assumida sem traumas. No entanto, a primeira vez que ouvi falar na série comentei que achava cedo demais por me parecer que há ainda "feridas" abertas. Responderam-me que estava errada e que é bom falar nos assuntos. Verdade. Sempre gostei de frontalidade verdadeira.

Sempre ouvi meu pai, antes do 25 de Abril, falar " em surdina" na independência. O processo foi o que foi e pecou por tardio. Deveria ter sido muitos anos antes, mas Salazar e Marcelo não souberam resolver esta questão em tempo certo e de forma pacífica.

Não tenho trauma algum. Costumo dizer que sou tra(n)smontana por nascimento, africana por criação e do coração, uma passagem breve por Lisboa, "tripeira" na descendência, vivi o deslumbramento do Oriente e da Beira por amor!

*Verifiquei, com uma tristeza muito grande, que a terra que me viu crescer, S. Tomé e Príncipe, hoje, felizmente, País independente, continua a não existir tal e qual como antigamente. É um País pequeno e com muitas dificuldades, mas merecia ter sido referido. ( ouviu-se o seu nome numa canção de Dany Silva e já não foi mau...).

*Foi bom ouvir um dos actores dizer que estávamos (retornados) 10 anos à frente e que trouxemos modernidade e alegria a este Portugal que era cinzentão.

*Paulo de Carvalho disse que "ainda não é o tempo de reflectir, que pensa que as pessoas perdoaram, mas não esqueceram."
(Lá vem mais sofrimento, digo eu...).
Paulo de Carvalho disse ainda: "Não deixemos que o Poder (qualquer Poder, em qualquer parte do mundo), nos roube o sonho!"

Eu acrescento: Não deixemos que, recordar momentos dolorosos que muitos portugueses de todas as raças viveram, nos desvie da crise que atravessamos neste País novamente cinzento!
Que o sofrimento que vai ser recordado sirva para nos unir a todos como irmãos na luta pela igualdade em todo o mundo." ( Maria do Amparo Bondoso). 
&&&&&&& 

Aproveitando a "boleia", decidi retomar algumas das ideias que expressei no meu livro ESCRAVOS DO PARAÍSO - VIVÊNCIAS DE S.TOMÉ E PRÍNCIPE, de 2005, editado pela MinervaCoimbra e cuja capa aí está. Particularmente para vos dar conta de alguns aspetos que antecederam a nossa vinda para Portugal, o nosso regresso, o nosso retorno - se assim quiserem! 






Com a transição, bem ou mal feita, viémos e ficámos - adaptando as nossas vidas a esse PREC tumultuoso e ultrapassando todas as dificuldades, apesar de eu ter sido colocado temporariamente em Lisboa, enquanto a minha mulher esperou pelo normalizar da sua situação, em Vila Nova de Gaia - localidade onde já se encontrava parte da família [irmãos, tios e avó], independentemente de a mãe ter regressado a S.Tomé, de onde o meu sogro entendeu não partir, pelo menos enquanto sentisse tranquilidade suficiente. 
ANTONIO BONDOSO.



2013-01-18


NÃO MATEM O FUTEBOL..........





                                     NÃO MATEM O FUTEBOL…

                                 SOMOS A RAZÃO DA PAIXÃO !

      
Universo de carácter encantado
Rompe o futebol com a razão.

Noventa momentos de magia                          
Labirinto rendilhado de emoção
Não existe um limite de sentidos
Cultiva-se a grandeza da peleja.
Ritual de força e de paixão
Intensa imagem de calor
Mal desponta o início da função
Cresce tudo em movimento e muita cor.

                                                                      
Universo de carácter encantado                                                                            
Somos nós a razão dessa paixão.

Plateia de vulcões adormecidos
Com vultos exaltados e aguerridos,
O futebol é emoção e é paixão
Uma bola colorida em rotação
Gritando que o consenso é um empate
Sem lugar elevado no combate !


Universo de carácter encantado
É brilho que alimenta o coração.

Identidade vestida p’ra ganhar
Um jogo permanente de poder,
Agitada e complexa incerteza
De uma bola repetida p’ra marcar,
Quase nada sobra a quem perder…
Talvez suaves toques de beleza
E um golo já feito p’ra não ser.


Universo de carácter encantado
Nem tudo se move por  paixão.

O esforço e o suor na camisola
Nem sempre determinam a vitória 
Ou obrigam a perder quem não transpira.
Ciência quanto baste e show de bola
Não esgotam emoção aleatória 
Ou perturbam corações que os inspira.
Não matem o futebol assim jogado
Humano e vivido em todo o lado
Eterno universo encantado
E renascido a cada golo anulado.

Somos nós a razão dessa paixão
Cantemos futebol no coração !
--------------------------------------------------------
Fevereiro 2004
António Bondoso ( A CIDADE E A PAIXÃO - POEMAS DE AZUL E BRANCO. 2004, Edição de Autor). 







2013-01-17


S.TOMÉ E PRÍNCIPE:- O RIO ÁGUA GRANDE EM DOIS TONS: 

Um lindo e sentido poema de Alda do Espírito Santo ... e algumas palavras mais modestas, embora igualmente sentidas, de minha autoria (SEIOS ILHÉUS). 





LAVADEIRAS

Ao passar no Água Grande
Revejo e beijo
Jovens lavadeiras no labor
Devolver brancura
À roupa que o tempo foi pintando mais escura
Desgastada e sem valor.

Natural e sem pudor
Mostram seios e sorrisos
Acenam
Não fazem juízos
Sobre quem olha e quem beija,
Transmitem a felicidade
Composta na vida dura
Dos que sonham a cidade.

====A.Bondoso (Seios Ilhéus, 2010. Pg.37. Euedito)


Postal do meu Arquivo Pessoal (escrito e enviado em 08 de Agosto de 1919) sem data de impressão.




SEMPRE LIVRE....



           SEMPRE LIVRE


Sou livre quando contemplo o mar
Sou livre a sonhar novas ideias.
Assim acrescento liberdade
Aos sonhos que vou tendo que passar
Ficando só deles as areias
Como cinzas espalhadas pela idade.

E nessa liberdade de sonhar
Sonho seios serenos de sereia
Bronzeados ao Sol
E pelo sal daquele mar.
Diamantes
Brilhantes grãos de areia        
Que me trazem de volta o teu olhar 
E um sorriso de fé na eternidade.
-----------A.Bondoso ( Seios Ilhéus, pg.49.2010 Euedito)        


FOTOS DE A.Bondoso

A CHUVA E A MÚSICA...       




                           
                                  A CHUVA E A MÚSICA...                
                                  (a publicar)
As árvores ainda despidas
Impedem o jogo de sombras
Na relva molhada.
Porque chove
E não há sol.
E as almas circulam
Gémeas de tristeza
Excepto um jovem casal
Ainda no sonho de um mundo só seu.
E chove.
E não se vê o rio dos meus encantos
Para além da cinzenta placa de betão.
Mas ouve-se música...
E deixo-me levar a outros tempos
Diferentes imagens outros afectos
Pingos de sempre mas de novas roupagens. 


============= A.Bondoso ( A PUBLICAR)


Fotos de A.Bondoso



2013-01-16


O RASTO DAS ONDAS...



 O RASTO DAS ONDAS...
(A PUBLICAR)

As ondas 
Enrolam-se no corpo
Recortam os sentidos
Que a vista alcança. 
Enrolam-se os sentidos 
Reviram-se os olhos
Afogam-se nas bolhas de espuma 
E as ondas não se desfazem.
Deslizam a perder de vista
Deixando um rasto de desejo. 
********A.Bondoso

2013-01-07



OS MEUS LIVROS DO ANO DE 2012 (II)

Neste segundo capítulo começo por pedir desculpa por não ter cumprido o prazo com o qual me comprometi. Razões outras, algumas inadiáveis, conduziram-me a tarefas não planeadas. E pelo meio, passeando os olhos pelo caderno “ATUAL”, dos 40 anos do Expresso, foi um achado de ouro a bela prosa de José Pedro Castanheira sobre a figura de Melo Antunes – um dos fundadores da democracia, segundo Jorge Miranda, ou mesmo o pai da democracia em Portugal, de acordo com Ramalho Eanes. Tudo isto a propósito de uma extensa biografia escrita pela historiadora Maria Inácia Rezola e publicada em Novembro, com o título Melo Antunes. Uma Biografia Política. Tive pena de não conseguir ainda recolher os ensinamentos das quase 800 páginas da obra que, de certa forma, se cruza também com o livro de Rui de Azevedo Teixeira sobre Jaime Neves e – passe a imodéstia – se espelha igualmente em parte do meu O PODER E O POEMA, particularmente no que respeita aos anos mais recentes da História de Portugal. 


  
          Não pretendendo ser juíz em causa própria, socorro-me do que disseram ou escreveram os apresentadores de O PODER E O POEMA, nas sessões realizadas até ao momento.
          Em Lisboa, na Casa Internacional de S.Tomé e Príncipe, Pedro Barroso – maestro, poeta, compositor, autor e cantor – disse por exemplo que “Este é um trabalho interessantíssimo e de certo fôlego a merecer toda a atenção” e que “acaba por resumir, de forma bastante criativa,  a dialética poesia/poder na nossa História, de forma interessante e original”. E, naturalmente e ao correr do pensamento, Pedro Barroso conduz a sua ideia para a força da poesia cantada que é, de facto, uma arma:- “Quando a canção põe em causa o poder existente, esse poder treme”. E acrescenta: “Porque conseguimos sintetizar o espaço de sonho que eles [poder] não têm; porque conseguimos sintetizar a injustiça social que eles consagram. O poder tema a poesia. Um poder que esteja de consciência tranquila, nunca poderá temer um poeta”. Destaca do livro o poema E Depois? para dizer que “é muito apropriado ao momento que estamos a viver – a que me apetece chamar já de 25ª Hora, ou um momento que posso designar como antes que seja tarde”. Por último, Pedro Barroso salientou que “este livro não é apenas um livro de poesia, é sobretudo um livro/ensaio sobre as odes à revolta que foram surgindo ao longo da história”. 



Já no Porto, na Livraria Lello, o Prof. Doutor Joel Mata – docente na Universidade Lusíada e investigador do CEPESE, da Universidade do Porto – apresentou e disse um texto imbuído de brilhantismo académico, questionando permanentemente o autor de O PODER E O POEMA que, segundo ele, “disserta sobre o poder dos poderes, de líderes do poder convidando o o leitor a dar uma espreitadela a uma paisagem triangular: Portugal, Angola e S.Tomé e Príncipe e em nota sotoposta lá vem nostalgicamente Macau, a demarcar os confins do império”. Joel Mata afirma que A.B. faz uma revisitação quase obsessiva a autores como Ary dos Santos, Manuel Alegre ou Zeca Afonso, mas reconhece que o livro “é um trabalho pleno de virtudes, de visões presente-passado, presente-presente e presente-futuro, parafraseando Sto Agostinho, e augura em praticamente todos os textos poéticos um sabor amargo, procurando, numa busca incessante, encontrar o eco ou a companhia – das multidões em fúria, inconformadas –, para dar voz a um protesto tão necessário quanto premente, face à situação actual do país e do mundo”. E vai ainda quase ao final do livro, onde se fala do desemprego como a nova lepra do século XXI, para dizer que se pode colher neste livro uma última ideia: “o poeta também é um construtor de pátrias, apelando ao inconformismo, da mesma forma que Almada Negreiros o fizera, com o Ultimatum Futurista às Gerações do Século XX: «O Povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, portugueses, só vos faltam as qualidades»”.
          Em Moimenta da Beira, na sala nobre da Biblioteca de Aquilino Ribeiro, o Dr. Alcides Sarmento – director do Agrupamento de Escolas local – falou nomeadamente da originalidade de O PODER E O POEMA, quer quanto ao conteúdo, quer quanto à forma e, depois de lembrar Ortega e Gasset no que diz respeito ao homem e à sua circunstância, salientou a tradição literária de Moimenta da Beira. Não é comum – disse – “um concelho juntar a qualidade de homens como Aquilino Ribeiro, Afonso Ribeiro, Eduardo Salgueiro e Luís Veiga Leitão, todos com um traço de união: o combate pela liberdade!” 


          Não termino sem fazer referência ao brinde que anunciei. E que, de certa forma, entronca com as obras de que já falámos – particularmente no que respeita à África de todos os sonhos. É uma publicação original de 1960 que a Biblioteca de Bolso Dom Quixote trouxe para a língua portuguesa, em Portugal, no ano de 1988. Sombras no Capim, 25 anos depois de África Minha, apresenta-nos uma Karen Blixen perfeitamente enfeitiçada – não pelas tribos do Quénia (Kikuyu, Wakamba, Kawirondo e Masai) mas sim pelos Somali que para ali emigravam desde sempre:



          Somali era o seu criado e mordomo na Fazenda. Farah era o seu nome e por ele nutria grande admiração: “Os Somali são de uma grande beleza, esbeltos e altos como todas as tribos da África Oriental, com olhos escuros e altivos, pernans direitas e dentes de lobo. São vaidosos e apreciadores de belas roupas. Quando não trajavam à europeia – e muitos deles vestiam com garbo fatos dos melhores alfaiates de Londres que os patrões tinham deixado de usar – traziam longas túnicas de seda crua, com coletes pretos sem mangas primorosamente bordados a ouro.”
          Vale a pena ler...sobretudo agora que o Quénia vive em crise de valores e que a Somália encarna a própria crise. E também porque já (quase) não há neve no Kilimandjaro.
========= António Bondoso
Janeiro de 2013. 



2013-01-05



OS MEUS LIVROS DO ANO DE 2012 (I)

Entre os milhares publicados – e alguns de grande qualidade – escolhi apenas dois. Perdoar-me-ão a “proximidade”...mas é como em outros lugares e com pessoas diversas. Há sempre uma escolha e, naturalmente, subjetiva.
          Sendo assim e entrando de imediato no tema, coloco em destaque o livro do amigo Prof. Doutor Rui de Azevedo Teixeira sobre a figura do militar Jaime Neves. Chamando de pronto a atenção para o título do livro, enfatiza que é exatamente “Homem de Guerra e Boémio – Jaime Neves, por Rui de Azevedo Teixeira”. Tal como está escrito na capa – uma biografia de autor: 



          Mesmo que não tivesse lido mais nada sobre a nossa última guerra do século XX; mesmo que não tivesse passado por parte dela; mesmo que não tivesse visto um ou dois filmes interessantes sobre a mesma; mesmo que não tivesse apreciado igual número de boas séries documentais na TV (por ex a que ainda passa, da autoria do jornalista Joaquim Furtado, apesar do repetitivo “recurso” às figuras dos entrevistados – sempre os mesmos – e alguns deles sem perceberem muito bem, ainda hoje, o que foi de facto essa guerra de guerrilha em três frentes); mesmo aceitando tudo isso – só o simples pormenor de poder ter lido (e percebido) este livro, vale a razão de o qualificar como o mais bem escrito e mais esclarecedor sobre a chamada guerra colonial, do ultramar, de África ou de libertação.
          Partindo da figura de um autêntico guerreiro – “centauro” como diz – Rui de Azevedo Teixeira descreve-nos o que foi e como foi a guerra, com todos os pontos nos “is”, não esquecendo os nomes malditos como Wyriamu. Sem complexos, sem dramas, sem culpas e desculpas desnecessárias – a guerra, essa guerra, foi vivida na passada e no percurso de Jaime Alberto Gonçalves das Neves, à nascença; o tenente Neves depois da Academia e nas primeiras missões na Índia e em Moçambique; finalmente o “comando” Jaime Neves, o homem do camuflado, com todos os defeitos e as muitas virtudes de um transmontano de gema que se vai fazendo homem na freguesia de Anta, depois Vila Real, Porto, Lisboa e, finalmente, no ultramar: 



          A uma escrita brilhante, simultaneamente realista, simples e erudita, direta e rude (humorada quanto baste, como é tradição da instituição militar), talvez não seja estranho o facto de também Rui de Azevedo Teixeira ter sido comando – um soldado – e, por isso mesmo, ter ele próprio vivido as cenas comuns de uma guerra de guerrilha, para a qual as tropas de elite como os “comandos” foram superiormente preparadas. Sobretudo no “teatro de guerra”, ao contrário do que sucedia com a chamada “tropa macaca” enviada da “metrópole” – primeiro sem conhecimentos suficientes do terreno das “frentes”, por fim, como notou Jaime Neves, mobilizada sem nunca ter disparado um tiro!
          “A maior parte das guerras dividem-se em noventa por cento de tédio e o resto de caos violento. Tal não acontece com os comandos. Com eles, mesmo não havendo tiros, há a hipótese de minas, o que exige uma contínua concentração impeditiva de qualquer das variantes do tédio” – escreve Teixeira. E ao caos violento consegue opor com elegância um caso de “pequena violência cómica” descrito por Jaime Neves e que lembra a 43ª CCMDS, na frente de Moçambique, após a captura de um “preto”:- “Como é que te chamas, pá? – pergunta o comando, no mato, ao preto capturado. – É Conforme, patrão! – O quê?! Estás a gozar comigo, pá?! – Não, patrão. É Conforme, patrão. – O preto, sentado no chão, leva um calçudo. – Como é que te chamas, caralho?! – É Conforme. – Recebe desta vez um consolo mais forte no cachaço. O comando, furioso, repete a pergunta.  – É Conforme. – Dois murros. Uma coronhada. Aproxima-se outro comando, que, a alguns metros, observa a cena. – Ouve, se calhar o gajo chama-se mesmo Conforme. – Si, si. O nomi é Conforme. Si, patrão.”  

        Este é o primeiro capítulo dos meus livros do ano de 2012. O outro, que vai trazer um “apêndice” como brinde, virá amanhã à luz do dia.
========== António Bondoso. 


2013-01-04


E o sol que se põe além do mar...






E o sol que se põe além do mar...

Deixando aos videntes
Esperanças quentes
De poder sonhar sem luz
E querer morrer
Dia seguinte ao que virá depois,
E desejar um abraço a ferver
De ferro encandescente
E tudo perder de novo ao sol nascente
Dando a vida por um nada que é momento
E depois...
De nada servindo renascer
E poder até seguir o vento!
==================A.Bondoso ( a publicar)




(Fotos de António Bondoso)